terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Valeu a pena ter ido ao Simpósio de Lesões na Corrida

[caption id="attachment_2449" align="alignleft" width="960"] Alexandre Dias Lopes, um dos organizadores do Simpósio, durante sua palestra[/caption]

Foi muito bom ter ido ao Simpósio de Lesões na Corrida neste último sábado. Até escrevi um artigo para o Blog Últimas da revista Contra-Relógio sobre o que rolou por lá (clique aqui para ler).

Aqui vou deixar um "testemunho". Soube da realização do Simpósio através de um grande amigo e corredor rapidíssimo Edvaldo Bueno (vulgo Acerola). Ele me mandou uma mensagem pelo Facebook mais ou menos assim: "Serjão, dá uma olhada no site da FPA que vai rolar um Simpósio que tem assunto do seu interesse".

Fui ao site da Federação Paulista de Atletismo crente de que tratava-se de uma brincadeira dele. Achei o link para o Simpósio e tomei um susto. "Caramba, a Irene Davis no Brasil?", pensei comigo mesmo. Irene é fisioterapeuta com doutorado em biomecânica e atua como pesquisadora no Spaulding National Running Center, da Universidade de Harvard. Ela fez parte da equipe chefiada pela professor Daniel E. Lieberman que publicou o famoso trabalho que foi matéria de capa da edição de janeiro de 2010 da revista Nature. Nele foi levantada a hipótese de que correr descalço pode causar menos lesões do que correr com tênis de corrida tradicional, pois os corredores habitualmente descalços geravam uma força de reação menor em uma plataforma de força do que corredores com o padrão de pisada comumente usado — o que inicia pelo calcanhar.

Bom, nem preciso dizer que o trabalho e o artigo causaram um grande alvoroço tanto na indústria como também entre os corredores. No início houve muito ceticismo, mas como o estudo não foi contestado e as marcas de tênis não vieram a público mostrar trabalhos que  mostrassem o contrário, o mercado de tênis minimalista foi crescendo e já ganhou corpo nos EUA e na Europa, até pela demanda dos próprios corredores. Aqui no Brasil a coisa ainda está engatinhando, mas vai indo, pois as grandes marcas já estão trazendo seus lançamentos mais recentes, sendo minimalistas ou reduzidos (vide New Balance, Asics, Nike, Saucony, Skechers e, em breve, Adidas).

Pois bem, entrei em contato com o SPRunIG (São Paulo Running Injury Group), que pertence à Universidade da Cidade de São Paulo (UNICID), para me apresentar, pedir credenciamento para o Simpósio e tentar marcar uma entrevista com a Irene Davis.

Me passaram o contato de um dos responsáveis pelo evento e professor do curso de mestrado em Fisioterapia da UNICID, Alexandre Dias Lopes. Liguei, me identifiquei e passamos horas conversando ao telefone. No bate-papo,  descobri que Alexandre tem uma visão muito favorável à corrida natural e trocamos diversas informações sobre estudos, corridas, padrão de pisada e uma infinidade de outras coisas. A conversa foi tão boa, que ao desligar percebi que tinha esquecido de pedir o credenciamento para o Simpósio...

Resolvido o credenciamento, entrei em contato com a assessoria de imprensa da Universidade para marcar a entrevista com a Irene Davis. Fui ao Simpósio de carona com um casal de amigos de Jundiaí, o Max, que é um ótimo corredor e sua mulher, Andréa, educadora física. No Simpósio esbarrei em alguns conhecidos, como o fisioterapeuta Wesley Craveiro, que conheci em Brasília e com o treinador de Piracicaba Rodrigo Murakami. Também pude encontrar pessoalmente o José Eduardo Gonçalves, com quem tinha trocado algumas mensagens pelo Facebook antes do evento.

O Simpósio excedeu em muito as minhas expectativas. Por que? Porque fizeram algo para questionar convenções e por em dúvida o marketing ligado ao esporte. As palestras derrubaram vários conceitos que estão totalmente enraizados na cultura esportiva, não só dos praticantes de corrida, mas como também os treinadores e profissionais ligados à saúde e reabilitação, como fisioterapeutas e ortopedistas.

O alongamento, por exemplo, questionado pela Contra-Relógio desde 2006, foi alvo de debates acalorados, pois foi deixado claro que não há estudos que comprovem que alongamento previna lesões - e essa é a principal razão dada pelos profissionais de educação física aos seus alunos - a de que alongando o corredor estará menos suscetível à elas.

Foi questionado também o uso de meias de compressão e de palmilhas, por também não apresentarem estudos científicos que apoie o uso desses equipamentos.

A palestra de Matheus de Almeida, que falou sobre aspectos controversos nos tênis tradicionais de corrida, somada à excelente apresentação de Irene Davis, deixou claro que é necessário que as pessoas pensem seriamente em mudar seu padrão de pisada e a adoção de tênis menos estruturados pois ao usar o calcanhar como primeiro contato no chão, o corredor eleva o risco de lesões. Irene, que corre descalça, deixou claro que é necessário aprender a correr corretamente sem calçados antes de tentar os minimalistas e usa sua experiência clínica como exemplo.

Depois do almoço, entrevistei Irene, que é de uma simplicidade impressionante. A entrevista durou  pouco menos de uma hora e quando desliguei o gravador, ela disse "Pronto? Agora me conte a sua história com a corrida descalça".  E continuamos a conversa por mais meia-hora.

Entrei no auditório e a palestra de Alexandre Lopes já estava na metade, mas disse algo muito interessante. Segundo ele, as lesões são multifatoriais, ou seja, algo muito parecido com o que ouvimos sobre acidente de avião - que nunca acontece por um só motivo, mas uma somatória deles. E, para Alexandre, um dos fatores que contribuem para as lesões nos corredores é exatamente o padrão de pisada.

Ao final foi formado um painel de discussão de casos e fui convidado para apresentar algumas dos problemas relatados pelos leitores da CR na seção Medicina Esportiva. As questões são sempre respondidas por José Marques Neto, colaborador da revista de longa data e especialista na área, que aliás, estava presente e fez parte do painel.

Saí do Simpósio contente por ter decidido trilhar pelo caminho (cada vez mais) certo ao adotar os minimalistas e a corrida descalça em 2009. Evidências e pesquisas? Fora o que já apareceu até hoje (ainda pouco), a Irene me disse que tem um grande estudo para ser publicado e que eu vou gostar muito. E você? Já pensou em mudar?

9 comentários:

  1. Fiquei conhecendo a pesquisa da Irene Davis em 2005 através do vídeo abaixo, na época ela ainda estava na Universidade de Delaware:
    http://www.youtube.com/watch?v=B7A-cMRilaE

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  2. Ótimo relato Sergio!
    Essa semana tive a oportunidade de conversar com alguns profissionais de Ed. Física e a situação é bem triste. A maioria não "aceita" os estudos a respeito do alongamento não prevenir lesão e acham que "essa história de pisar com a parte da frente do pé é uma modinha". Triste, mas aos poucos mais estudos irão sair e as mudanças vão surgir (como já vem acontecendo).
    Abraços!

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  3. Parabéns pelo relato, venho adotando aos poucos a corrida natural e os tênis minimalistas, mas tenho sentido rapidamente os resultados desse novo tipo de pisada (menos dores e lesões) que so comprovam a sua eficácia.
    Seu site e blog tem sido uma ótima referência durante essa transição, parabéns pelo ótimo trabalho.
    Abraços,

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  4. E vem que me surge no vácuo da reflexão, se ouvir repetidas vezes que a "re-adoção" do modo de correr implicará na diminuição das lesões ou até mesmo a não-lesão. Mas todos que correm competitivamente, desejam a não-lesão e ao mesmo tempo a velocidade. Será possível termos, caminhando juntos, a não-lesão e o baixar do tempo se adotarmos esse modo de correr? Fico com este questionamento.

    Os meio-fundistas e fundistas campões olímpicos e mundiais se disporiam a iniciar um período de testes com os minimalistas para termos um panorama se os tempos manterão os mesmos? Qual deverá ser o resultado?

    Não pesquisei, só me veio a mente, agora, quanto ao caso da Paula Radcliffe. Recentemente, se submeteu a uma cirurgia no pé por conta de uma artrose, se não me falha a memória. Do que eu tenho conhecimento, ela anunciará aposentadoria por conta das seguidas lesões neste pé. Sem nenhum amortecimento e com a artrose no pé, ela teria condições de calçar um minimalista e mantendo a performance?

    A provocação que deixo é: Não seria duas vertentes que não se encontrarão jamais, os que não desejam mais se lesionar e os que desejam bater recordes pessoais?

    (continuando a reflexão...)

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  5. Oi Hélio,

    Todos os atletas de ponta usam tênis com pouco amortecimento, pois essa é uma das características dos tênis de competição. Você também precisa levar em conta que esse profissionais fazem um treinamento muito mais pesado do que os amadores e sempre estão no limite do corpo e alguns tem lesões por overtraining, por exemplo.

    A Paula Radcliffe começou a ter problemas após o nascimento das duas filhas e as lesões que ela sofreu acho que tem pouco a ver com os calçados. Pelo que eu me lembre, a última lesão que ela teve foi relacionada a ter voltado muito rápido para o treinamento de alto nível e o corpo não havia se recuperado totalmente.

    Abs

    Sergio

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  6. Oi Rafael,

    Muito saber que o site está atingindo o seu objetivo: ajudar corredores como você que estão em busca de informações sobre minimalismo e corrida natural.

    Abs,

    Sergio

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  7. Na Contra-Relógio mesmo vc ainda vê opiniões divergentes (sobre a corrida natural. Acho que sobre o alongamento não mais...) e, algumas vezes, argumentos já meio superados, como "não compensa tentar mudar a pisada porque ele está acima do peso" ou "não dá pra mudar porque a pessoa já corre há 5 anos com tênis"... E o guia do tênis continua dividindo os tênis entre pronadores, supinadores e neutros...

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  8. Oi Adalberto,

    Não sou o editor da revista e tenho lutado para tentar mudar o jeito de fazer o guia, que considero ultrapassado. As marcas ainda vendem os tênis usando essa classificação e é necessário mudar tudo, não só a revista.

    Abs

    Sergio

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  9. [...] a Irene Davis, fisioterapeuta com especialização em biomecânica que trabalha em Harvard, sabe dizer ao certo o [...]

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