O treinador e presidente da ATC-SP (Associação de Treinadores de Corrida de São Paulo), Nelson Evêncio, me alertou para o estudo "Foot Bone Marrow Edema after 10-week Transition to Minimalist Running Shoes" (ou "edema nos ossos dos pés após 10 semanas de transição aos tênis minimalistas"), que sairá na próxima edição do Medicine & Science in Sports & Exercise, o jornal oficial do American College of Sports Medicine (o artigo foi disponibilizado antes da publicação do jornal). O treinador Scott Douglas teve acesso ao estudo completo e fez uma matéria sobre ele na edição on-line da revista Runner's World americana (leia aqui). O estudo foi comandado Sarah Ridge, doutora em biomecânica e professora assistente da Brigham Young University, Utah, EUA.
Resumidamente, o estudo selecionou 36 corrredores que nunca tinham corrido com os VFF, que não tiveram nenhum tipo de lesão nos membros inferiores nos últimos 6 meses anteriores à pesquisa e que corriam pelo menos de 30 a 50 km semanais. Antes do estudo foram feitas ressonâncias magnética dos pés de todos eles. Dos 36, 19 passaram a fazer o programa "oficial" de transição para o uso de Vibram Five Fingers (disponível no site da Vibram - veja aqui), os outros continuaram a usar tênis convencionais (grupo de controle). Ao final do estudo, ao ser repetida a ressonância, dos 19 que fizeram a transição, 10 tiveram detectados edemas nos ossos dos pés em um grau próximo do que poderia ser definido como lesão por estresse . O restante foi diagnosticado como mudanças por adaptação ao novo estímulo.
Uma boa alma me enviou o PDF com o estudo completo, que pude ler com atenção. A conclusão, bem maior do que a que está no resumo do site é a seguinte: "Apesar de vários corredores terem adotado o uso dos Vibram Five Fingers, há uma falta de de consenso do que seriam as vantagens e desvantagens dessa mudança. Esse estudo examinou o potencial de fraturas por estresse a partir da presença de edemas nos óssos e danos aos tecidos dos pés [n.e. ex.fasciia] depois da transição aos VFF durante o período de 10 semanas. O grupo de VFF teve uma significativa incidência de edema nos óssos dos pés depois desse período de treinamento, enquanto não demostrou nenhuma mudança nos tecidos. Portanto, para minimizar o risco de fraturas por estresse nos ossos, corredores que queiram correr com VFF devem fazer a transição em um período maior do que 10 semanas e adotar uma intensidade (km semanal) menor do que os corredores desse estudo."
As questões que levanto sobre o estudo são bem simples. Por que ao fazer o programa de transição não adotaram os exercícios de fortalecimento recomendados no próprio site da Vibram (aqui)? Os pesquisadores afirmarm que alguns dos corredores estariam lesionados de acordo com as leituras de ressonância magnética, mas eles mesmos admitem que os corredores não reclamaram de dores. Ao meu ver, 10 semanas de transição é um período curto e no site da Vibram, o programa é de 13. Por que fizeram a ressonância depois de 10 semanas? Será que esse edema não cederia após mais tempo? Se um dos corredores estava com um edema no calcanhar significa que ele estava iniciando a pisada com o calcanhar?
Não estou aqui para defender os VFF, mas o uso adequado deles. Eu, pessoalmente, não acho que funcione bem a transição recomendada pela própria Vibram, ou seja, inserir o uso do Vibram gradualmente na quilômetragem semanal do corredor. Principalmente se não for adotado os padrões de fortalecimento recomendados por eles mesmos, como citei no parágrafo acima. Eu acho que a pessoa pode fazer a transição que quiser, mas o eficiente mesmo é "abolir" o uso dos tênis convencionais, pois eles acabam por manter a "matelada" no chão (o que, sem dúvida, vai gerar edemas) e faz com que o corredor volte a usar o calcanhar para iniciar a pisada toda vez coloca o tênis convencional nos pés e sai para correr.
Quem já fez a Clínica de Corrida Natural, sabe que eu defendo que a melhor forma de se adaptar aos tênis minimalistas é correndo descalço. E não é só eu que digo isso. O "xiita" Ken Bob Saxton, o pessoal de Harvard e outros dizem a mesma coisa. No meu caso, foi por experiência própria. Eu quase tive uma lesão por estresse no metatarso no início da minha adaptação e só consegui me acertar quando começei a correr sem nada nos pés. Cito isso aqui. O Leonardo Liporati, colaborador do Corrida Natural, também já deu seu "parecer" sobre o assunto (aqui). A meu ver, para "sacar" como é feita a aterrisagem natural dos pés, é necessário voltar a ter contato com o chão com os pés descalços. Essa experiência facilita muito a compreensão dos movimentos, da postura, cadência, etc.
Há também um excelente artigo publicado no site Portal da Educação Física entitulado "Fortalecimento do sistema motor é fundamental para o uso de Five Fingers" com opiniões de dois respeitados profissionais do meio. Um deles é o professor Júlio Serrão, que é coordenador do laboratório de biomecânica da Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo (USP). Já fui a uma palestra do Júlio e temos opiniões bem parecidas.
O outro profissional é o amigo Mário Pozzi, coordenador do CEFIT (Centro de Estudos de Fisiologia do Exercício e Treinamento). Já entrevistei o Mário para uma matéria "Adapte-se aos Minimalistas", que saiu na revista Contra-Relógio no ano passado (leia aqui). Nela, ele diz que obedeceu os critérios de adaptação e fortalecimento muscular da Vibram e seus atletas nunca tiveram problemas e nunca se lesionaram usando o VFF.
Voltando à matéria do Portal Educação Física, os dois profissionais alertam que é primordial o fortalecimento da musculatura quando estamos nos adaptando aos minimalistas, no caso, o VFF. De fato, quando entrevistei a fisioterapeuta Irene Davis, que tem doutorado em biomecânica e dá expediente em Harvard, ela afirmou que trabalhava a musculaturas intrínsecas e extrínsecas dos pés, ensinava os pacientes a correrem descalços na esteira e só depois de dominarem a técnica, é que "permitia" que eles usem um minimalista. Irene veio a um Simpósio de Lesões de Corrida promovido pela UNICID em dezembro de 2012. Veja aqui os exercícios que ela recomenda.
Só para lembrar, a única coisa analisada no estudo foram os "ossos dos pés" e a quilômetragem semanal. Devo lembrar que um estudo parecido, que não levava em consideração o fator lesão, os corredores com Vibram melhoraram sua economia de corrida em 7% após 4 semanas de transição gradual aos VFF (leia aqui).
Como sempre digo, é necessário paciência, pois a adaptação leva tempo para acontecer e também mais algum período para o corredor se sinta à vontade para fazer todos os tipos de treino (rodagens ou qualidade). Correr descalço sempre ajuda a compreender melhor a dinâmica da corrida e esse estudo foi bom para nos lembrar que o fortalecimento tem um papel fundamental para que a transição seja bem sucedida.
Totalmente excelente.
ResponderExcluirEstou fazendo 95% dos exercícios que são recomendados pelo site da Vibram e pela I.Davies. Além de alguns exercícios adicionados por conta própria (avanço em semi-agachamento com contato inicial usando o antepé - descalço, obviamente). Ainda não comecei a correr. Estou apenas fortalecendo e caminhando bastante com o VFF.
O que posso dizer é que minha flexibilidade dos pés mudou radicalmente, com apenas dois meses de exercícios. Estou sendo bastante cauteloso, mas a idéia é aumentar a intensidade dos fortalecimentos e partir para corrida.
Esse post justifica bem a metodologia que adotei... cautela e progressão lenta acima de tudo.
Sergio,
ResponderExcluirTive um problema no ciatico que me deixou sem correr direito por 3 mesese...então decidi dar uma chance aos meus five fingers batidos. Começei uma nova adaptação andando principalemente descalço e realizando treinos da mesma forma, so então começei a usar os five fingers novamente...ainda isso já faz 2 meses e meio. Desde la me considero em adaptação, tanto a mecanica de corrida quanto a forma que considero correta de correr...já consigo correr tranquilamente 15km com eles, mas começei correndo 3km 1x semana.
Vale a pena, me sinto muito melhor hoje!! mas tive que passar pela "quarentena" de adaptação.
Valeuu