Ninguém melhor do que Christopher McDougall, autor do livro "Nascido para Correr" para falar quem foi Caballo Blanco. O livro não só mudou a forma de ser ver a corrida, mas também na forma de correr de milhares de corredores mundo afora. A indústria de running também teve que se mexer para se adequar a onda dos tênis minimalistas, que teve um enorme demanda de consumidores influênciados pelo livro. Se Mcdougall não tivesse encontrado Caballo Blanco, o livro poderia nunca ter sido escrito.
Tomei a liberdade de fazer uma tradução livre do artigo publicado originalmente da revista da BBC e reproduzido no Blog de McDougall:
"A coisa mais misteriosa sobre o desaparecimento de Micah True – mais conhecido como Caballo Blanco, o White Horse das montanhas de Sierra Madre - na semana passada, foi que dessa vez, ele sabia onde estava.
Ele não estava abrindo com um facão uma nova trilha no interior do México ao saber que um bandido estava aguardando por ele na antiga.
Ele não tinha partido ao amanhecer para correr durante o dia todo através dos Copper Canyons no México para visitar as casas escondidas dos seus amigos reclusos, o índios tarahumara. Ele não estava fazendo barulho através do deserto do Mojave em uma caminhonete anciã, tentando conseguir alguns meses a mais de comida como um se fosse um carreto.
Ao invés disso, ele colocou água na vasilha do seu cachorro, disse a um amigo que voltaria antes do almoço, trotou por 5 km na estrada em direção a um ótimo parque em Gila, Novo México – e desapareceu.
As notícias chegaram na última terça. Nas primeiras luzes da manhã da sexta, amigos e fãs de Cavallo que dirigiram a noite toda para chegar lá, se reuniram e montaram times de busca e resgate. Entre eles, campeões de ultra-distâncias, como Kyle Skaggs e Scott Jurek, o recordista americano das 24 horas. O ator Peter Sarsgaard também chegaria logo.
Eu estava a 1.200 km de lá quando soube, mas havia tanta gente indo, que demorei duas ligações e 10 minutos para conseguir uma carona. Fui com Luis Escobar, fotógrafo e diretor de corrida, o mesmo que conheci quando fomos em busca de Cavallo há seis anos atrás.
A primeira vez que ouvi falar em Caballo Blanco foi em 2005, quando eu tentava aprender o segredo dos Tarahumara, que chamam a si mesmos de 'povo-corredor'. Por centenas de anos, histórias fantásticas sobre sua velocidade e resistência saíram dos Copper Canyons, localizados no nordeste mexicano, e em raras ocasiões, os próprios tarahumaras.
Em 1993, um corredor tarahumara de 55 anos, usando uma sandália caseira e sua vestimenta nativa, apareceu na linha de largada da Leadville Trail 100 (milhas) – uma corrida dificílima através das montanhas rochosas equivalente a 4 maratonas – e derrotou um field internacional de ultra-corredores de elite. No ano seguinte, outro tarahumara estilhaçou o recorde da prova. E então, eles voltaram para os canyons para nunca mais voltar.
Se você estudar o vídeo da corrida de 1994, verá uma figura esquálida correndo passo-a-passo com um corredor tarahumara. Ele está lá por um instante e sai para o lado pouco antes da chegada e desaparece na multidão.
Descobri que ele era um ex-boxeador profissional que estava se recuperando de um coração partido a partir do uso de longas e perambulantes corridas nas trilhas do Colorado. Quando os tarahumara precisaram de alguém para guiá-los nas últimas 50 milhas da corrida, ele se candidatou.
Algo sobre aquela noite – sobre a experiência de deslizar silenciosamente no escuro ao lado de um estranho de outro século – deve ter ter afetado Caballo profundamente, porque logo após os tarahumara irem embora, Michael Randall Hickman foi atrás deles.
Ele renasceria – primeiramente como Micah True, se auto-nomeando buscador da sabedoria ancestral, e depois, para entreter as crianças tarahumaras com seus gritos e batidas no chão, como Caballo Blanco.
Quando consegui localizá-lo, ele já estava há quase 15 anos vivendo entre os tarahumara. O segredo deles, me contou, era simples – os tarahumaras lembram que os humanos são criaturas em movimento constante, e se nós esquecermos que sobrevivemos e prosperamos pela maior parte de nossa existência como corredores de longas distâncias, iremos sofrer as mesmas consequências de qualquer outro animal engaiolado – doenças, alterações de humor, distúrbios alimentares e tristeza profunda.
Os tarahumara não são mais inteligentes que nós. Eles só tem mais memória.
Aprenda a fina arte de correr, Caballo me disse, e você pode mudar a sua vida.
'Não lute contra a trilha. Use o que ela te oferece', disse. 'Lição dois – pense fácil, leve, suave e rápido. Você começa com o fácil, porque se é tudo o que você consegue, já não é tão ruim. Então trabalhe no leve. Faça sem esforço, como se você não se importasse se rampa é muito alta ou o quão longe você tem que ir.'
'Quando tiver praticado isso a ponto de ter esquecido que você estava praticando, trabalhe em ser suave. Você não precisa se preocupar com a última lição. Quando você tiver aprendido as três primeiras, você será rápido.'
O sonho de Caballo era fazer com que o resto no mundo soubesse que havia uma sabedoria ancestral que valia a pena proteger lá nos canyons, e seu método seria criar um festival de corrida de múltiplos dias no coração do território tarahumara.
Nove meses depois de Caballo me mostrar com mudar minha técnica, fui capaz de retornar aos Copper Canyons em 2006 com ases da corrida, como Scott Jurek e Luis Escobar, para as Ultramaratona 50 milhas de Caballo Blanco. Desde então, a corrida cresceu acima até da expectativa mais louca de Caballo – este ano, no dia 4 de março, mais de 400 tarahumara e quase 100 corredores de fora participaram, incluindo German Silva, bicampeão da Maratona de Nova York [1994-95].
'Nunca o vi tão feliz', me disse Will Harlan, um dos amigos de Caballo. 'Ele parecia estar muito tranquilo e centrado mesmo ao ver um número recorde de tarahumaras indo para Urique para participar da corrida.'
Três semanas depois, Caballo já estava indo do México ao Arizona para visitar sua namorada que, como eu, Sarsgaard e outros milhares, tinha se transformado com sua mensagem. No caminho, ele parou na Pousada Gila Wilderness no Novo México, um lugar que já tinha visitado diversas vezes.
Na segunda-feira, ele saiu para uma corrida de 6 horas com Guadajuko, um vira-lata mexicano que ele havia adotado e batizado como 'o cão fantasma'. Na terça, ele decidiu fazer um treino rápido de 20 km antes de pegar a estrada. As patas de Guadajuko ainda estavam doloridas, então Caballo o deixou na varanda e disse ao zelador da pousada que ele voltaria em duas horas.
Cinco dias depois ele foi finalmente encontrado ao lado de um riacho relativamente próximo da pousada. Sua morte ainda é um mistério. Mas um dos corredore que o econtraram disse que Caballo parecia tranquilo – como se ele tivesse parado para tirar uma soneca após uma longa e gloriosa perambulada através da mata, e nunca mais acordou."
Descanse em paz, Caballo.
Muito bacana Sergio. Uma justa homenagem. Você por acaso sabe a idade do Caballo? Abcs.
ResponderExcluirCaro Leo, a idade do Caballo era 58 anos.
ResponderExcluirele viveu relativamente pouco, mas pode-se dizer que intensivamente....
Eu li o livro e me encantei com a historia, e virei fã dele, tanto é que quando saio para meus longões no interior da minha cidade, por estradas rurais, subidas, pedregulhos, no verão eu vou sem camisa, me sentindo um legitimo caballo blanco, hehehe, com aquele ar de liberdade que ele deveria sentir correndo naquelas montanhas do méxico...descanso também é treino! então agora ele está "treinando" eternamente....
Parabéns pelo post Sergio Rocha!
Abraço.
Muito obrigado por nos presentear com esta tradução! Troquei mensagens com Caballo, via facebook, no ano passado. Ele foi muito atencioso e amável. Mal pude acreditar em quão genuína era a sua simplicidade. Leo: ele tinha 58 anos!
ResponderExcluirNão dá para estabelecer uma relação de causa-efeito exata, mas sua morte com 58 anos - novo, ao meu ver, pode sinalizar que as ultras realmente extrapolam um bocado o limite do saudável.
ResponderExcluirBreno, o saudável e o insalubre não compõem o extremo oposto do mesmo espectro. Muitas vezes andam juntos e são complementares.
ResponderExcluirObrigado pela tradução. Assim mais pessoas no Brasil poderão conhecer o trabalho do Caballo Blanco.
ResponderExcluirSérgio,
ResponderExcluirJá tinha visto um documentário sobre os Tarahumara, porém não conhecia Caballo Blanco.
Excelente matéria ! Não importa quanto tempo vivamos, mas que sejamos intensos e verdadeiros na nossa missão. Acredito que Caballo Blanco o foi !!!
Vejam este vídeo em que os amigos falam sobre ele: http://www.dailycamera.com/boulder-county-news/ci_20344915/friends-gather-run-remember-boulders-micah-true?source=most_viewed
ResponderExcluirSérgio, obrigado pela resposta no Twitter. Agradecer pela informação, homenagem e por este post já é redundante. Agradeço a vc a a todos do Contra Relógio no Ar por terem me apresentado este livro que está mudando meu jeito de encarar a corrida e me ajuda a questionar alguns dogmas da corrida e a espalhar esta história sensacional de Caballo e seus amigos tarahumaras. Que consigamos manter este legado. Abraços.
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